Nota - pl 2.796/2021 - marco legal dos games

7 de junho de 2023

O PL 2.796 está em discussão no Congresso Nacional, neste momento tramitando dentro do Senado Federal.

Não é possível falar de uma sociedade sem política. E não podemos esquecer que a política nada mais é que uma concertação de interesses, como tudo em nossa vida. Portanto, carece lembrar que todas as ações tomadas, especialmente nos âmbitos de governo e particularmente nas casas legislativas têm a ver com grupos de interesses.

A exercício de reflexão: seria possível imaginar um conjunto de leis que fale sobre medicina veterinária sem que se escutem os médicos veterinários? Ou um programa de incentivo ao setor automobilístico sem consultar os sindicatos e as associações patronais do setor que produz carros no Brasil?

Por que então o Marco Legal dos Games não ouviu nenhuma das associações que compõem hoje o ecossistema de desenvolvedores de jogos no Brasil?

Estamos falando de mais de 1.000 estúdios, dezenas de milhares de empregos distribuídos por todo o território nacional, e um conjunto de 16 associações que lidam sobre o tema no Brasil – 15 regionais, incluindo a RING, e uma nacional, na figura da Abragames – Associação Brasileira de Desenvolvedores de Jogos.

E nenhum de nós foi ouvido.

Tanto a RING, pelos senadores do estado do Rio, nossos representantes no governo, tampouco as outras associações de outros estados, e menos ainda a Associação Nacional. Conjuntamente utilizamos de diversos meios e ferramentas para acessar os deputados e senadores, e foi estranhamente preterido na hora da apresentação do texto final.

Precisamos nos perguntar a quais interesses de fato o projeto está servindo, e basta olhar para a lei para entender a que interesses ela serve.

Quem gosta de jogos eletrônicos sabe que existem múltiplos gêneros, modalidades e estilos.. Jogamos jogos de esporte, jogos de ação, de aventura, de RPG, de estratégia, shooters, de luta, de narrativa.

Curiosamente, nenhum deles aparece citado na PL 2.796. Em turno, aparece citado apenas um estilo de jogo: o fantasy game.

Fantasy games, também chamados de jogos de fantasia – e também, talvez mais corretamente, fantasy sports – são jogos que se baseiam em dados de figuras humanas, do mundo real, para alterar seus resultados no ambiente virtual.

Nos é conhecido o modelo: você pode escalar seu próprio time, minutos antes da abertura da rodada de algum campeonato importante de futebol ou de outras modalidades esportivas, e torcemos para que os jogadores que escalamos tenham um bom resultado para que se ganhe algum dinheiro com a aposta feita.

Não é à toa que os fantasy games estão fazendo questão de se classificar como jogos eletrônicos. O setor de aposta logo receberá uma lei das bets, que contará com uma tributação expressiva – já expressada pelo Governo Federal; Os fantasy games, jogos de apostas relacionados a jogadores no mundo real, estão buscando é uma proteção desse ambiente de regulamentação das apostas, ao que indica pelas movimentações que o segmento tem realizado.

Em nenhum momento o setor de jogos eletrônicos se colocou como parte autora desse projeto de lei. Mas a ABFS – Associação Brasileira de Fantasy Sports o fez.

Vieram à público classificá-lo como um “bom modelo”. Para o amplo setor de jogos eletrônicos, não o é.

Alguns dos motivos do porquê o Marco Legal de Games, no texto atual, não nos representa:

1) Em primeiro lugar, já declarado pelo enunciado, se vamos falar sobre jogos eletrônicos, ou falamos de todos os gêneros, estilos e modalidades, ou não falamos de nenhum em específico. Por que o projeto fala especificamente de fantasy games? Por que não um projeto que proteja o RPG, ou os jogos de aventura, de ação, ou mesmo jogos de esporte?

2) Em segundo, o projeto faz uma classificação errada do quê são jogos. Jogos eletrônicos não são apenas tecnologia – são também tecnologia, mas jogos eletrônicos também são contexto, são educação, cultura, meio ambiente, saúde, turismo; São múltiplas possibilidades que podem ser atingidas.

Ao classificar os jogos como tecnologia, busca-se uma “proteção” para que fiquem dentro de um campo que não é tributado como jogos de aposta/ jogos de azar; Consequentemente, tira os jogos eletrônicos que de fato interessam ao país: os que geram emprego, representando atualmente mais de 95% do que é produzido no setor nacional. 

O PL tira os “jogos” do “jogo”.

E faz com que a gente tenha uma delimitação na nossa área de trabalho, removendo, a exemplo, investimentos importantes que acontecerão a partir da Lei Paulo Gustavo. Sabemos que, em todos os mercados do mundo, apenas há avanço da indústria quando há políticas públicas fortes.

3) Adicionalmente, uma grande falha no atual projeto é a questão da tributação

O PL não mexe em tributação.

O PL não faz com que jogos paguem menos impostos. Isso está demonstrado pela própria tramitação do projeto: todo projeto que anda pelo Congresso Nacional, seja na Câmara, seja no Senado, uma vez que vá diminuir o potencial de arrecadação ou aumentar os custos do Governo Federal, precisa passar pela Comissão de Tributação e Finanças, pela qual este projeto não passou.

É claro perceber: não se pretende mexer na precificação de jogos. Quem gosta de jogar, tem o costume de comprar jogos, no momento presente não obtém nenhum ganho apoiando este tipo de projeto. Ao contrário, acaba-se dificultando o setor que cria jogos no Brasil de gerar emprego e renda.

Ao delimitar jogos como tecnologia, ficamos fora de outros tantos investimentos que poderiam ser feitos em outros lugares.

O que o projeto perde é uma oportunidade única de gerar segurança jurídica e tributária ao setor. A exemplo, é comum para fins de desenvolvimento de jogos para consoles a importação de um equipamento chamado SDK – Software Development Kit; Uma espécie de console, proprietário, distribuído direta e exclusivamente pela própria dona do console, configurado e alterado para fins de desenvolvimento. Então, por exemplo, a Sony envia um “Playstation 5 modificado” com estas funções de desenvolvedor para uma empresa que queria criar um jogo para Playstation 5 aqui no Brasil.

Esse Software Development Kit, esse console modificado, como não possui uma classificação tributária própria, pode ser alterado, tributado, de acordo com a vontade dos auditores fiscais que estejam responsáveis em cada transação.

O que o setor precisa, que este projeto poderia – deveria  fazer, é tratar disto: classificar o quê são os SDKs, os hardwares e softwares que são as ferramentas de trabalho das dezenas de milhares de profissionais desenvolvedores de jogos no Brasil.

4) Outro ponto que o PL poderia atender mas não o faz é a criação de fato de um Código Nacional de Atividade Econômica (CNAE) voltado a jogos. Hoje, um estúdio de jogos precisa se classificar como qualquer outra coisa, porque a atividade de estúdio de desenvolvimento de jogos no Brasil formalmente não existe.

Como um Marco Legal que cuida do setor não cria a atividade econômica oficial que será observada pela Receita Federal?

Se o Marco Legal estivesse de fato olhando para o setor de jogos no Brasil, cuidaria, basilarmente, de prever um CNAE voltado ao setor.

Com tudo isso, precisamos informar:

Não há votação “depois”.

Não está em pauta a aprovação do projeto e depois “correr atrás” para poder votar alterações. Este PL, com grandes grupos de interesse por trás, levou dois anos para ser aprovado. Nós, movimentando o setor para qualquer aprovação de alteração futura no projeto, podemos levar de três a quatro anos para colher quaisquer frutos – e isso significa o fechamento de centenas de estúdios, a perda de milhares de empregos, e um atraso de oportunidade para o páis em um mercado global e multibilionário.

PL 2.796 NÃO.

VOTE "NÃO" AO PROJETO NO E-CIDADANIA.

Proteja o setor de jogos do Brasil. Exerça seu direito cidadão.

diretoria da ring - associação de desenvolvedores de jogos do rio de janeiro
rio de janeiro, 6 de julho de 2023